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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Analfabetismo funcional

A liberdade, a prosperidade e o desenvolvimento da sociedade e dos indivíduos são valores humanos fundamentais e só podem ser alcançados quando todos os cidadãos estiverem informados para exercerem seus direitos democráticos e para desempenhar em um papel ativo na sociedade. (manifesto da UNESCO).

por Kátia Ferraz

Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) , do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontaram que o Brasil tem o grande desafio de combater o chamado analfabetismo funcional, que atinge 25% da população com mais de 15 anos, entre outras agravantes, constitui um problema silencioso e perverso que afeta o dia a dia nas empresas.

Neste universo não estamos incluindo pessoas que nunca foram à escola, mas sim aquelas que sabem ler, escrever e contar; chegam a ocupar cargos administrativos, porém não conseguem compreender a palavra escrita. Computadores provocam calafrios e manuais de procedimentos são ignorados; mesmo aqueles que ensinam uma nova tarefa ou a operar uma máquina. No entanto, este perfil de profissionais prefere ouvir explicações da boca de colegas.

Calcula-se que, no Brasil, os analfabetos funcionais somem 70% da população economicamente ativa. O resultado não é surpreendente, uma vez que apenas 20% da população brasileira possui escolaridade mínima obrigatória (ensino fundamental e ensino médio). Para 80% dos brasileiros, o ensino fundamental completo garante somente um nível básico de leitura e de escrita.

No mundo todo há entre 800 e 900 milhões de analfabetos funcionais, ou seja, uma camada de pessoas com menos de quatro anos de escolarização; mas pode-se encontrar também neste meio, pessoas com formação universitária e exercendo funções-chave em empresas e instituições, tanto privadas quanto públicas. Entre suas características, não têm as habilidades de leitura compreensiva, escrita e cálculos para fazer frente às necessidades de profissionalização e tampouco, da vida sociocultural às necessidades de profissionalização e tampouco, da vida sociocultural.

Muito se tem que fazer para reverter esse quadro, mas algumas iniciativas como a criação de bibliotecas comunitárias pelo país tem tido resultados significativos e atraído um público cada vez maior para o mundo da leitura.

Uma biblioteca pública está destinada a atender à comunidade em geral, e seu acervo deve ser composto por uma grande variedade de assuntos. Na maioria das vezes, sua gestão é administrada por integrantes da própria comunidade. Criar uma biblioteca comunitária é uma possibilidade de valorização da comunidade local, na medida em que os conhecimentos podem ser levados a um número maior de pessoas. Essa iniciativa mostra o alto nível de organização, amadurecimento e cidadania da comunidade local, já que assim as pessoas se tornam responsáveis pelo processo de crescimento cultural coletivo e individual.

A biblioteca deve ser um lugar onde o povo possa se encontrar, trocar ideias, discutir problemas, saciar curiosidades e obter informações essenciais para a cidadania. Na chamada sociedade da informação, ainda existem pessoas desinformadas, diante da privação do direito de participação. A existência de bibliotecas comunitárias, que atendam às necessidades de informação, pode minimizar a exclusão social, em regiões caracterizadas pela privação de educação, informações, lazer e vários fatores considerados essenciais para a qualidade de vida.

A implantação deste espaço visa minimizar as diferenças culturais, raciais, econômicas e educacionais. Para isso elas deverão ser munidas de acervo bibliográfico e documental, considerando os costumes da cultura em que ela está inserida, possibilitando ao seu usuário, o livre e gratuito acesso à informação. Nos países avançados, as bibliotecas públicas são centros de informação da comunidade – que trabalham ativamente para atrair seu público.

BIBLIOTECA COMUNITÁRIA LER É PRECISO

As bibliotecas comunitárias ainda são fenômenos em construção, pois, muitas delas ainda estão em projetos e nas mentes de pessoas que sonham com uma unidade de informação perto de sua casa. Felizmente várias delas já ultrapassaram o mundo da imaginação e se tornaram reais.

A ONG Instituto Ecofuturo, mantida pela empresa Suzano Papel e Celulose e Suzano Petroquímica criou, há dez anos, o projeto, o projeto Bibliotecas Comunitárias “Ler É Preciso”, que hoje já conta com 80 bibliotecas espalhadas pelo país. Segundo Christine Castilho Fontelles, diretora de educação e cultura do Ecofuturo, “A ideia surgiu em 1999, por meio de um diálogo com um engenheiro da região do Vale do Paraibúna, em São Paulo, que apresentou um projeto, visando resgatar a cidadania rural da comunidade. Eles detectaram um êxodo considerável de jovens do local, pela falta de atividades e até mesmo de uma biblioteca local.

IPM INSTITUTO PAULO MONTENEGRO (IPM) - Criado em 2000, pelo Grupo IBOPE, o Instituto Paulo Montenegro é uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo desenvolver e executar projetos educacionais. Apesar de ser mantido pelas empresas do Grupo IBOPE, o Instituto Paulo Montenegro opera com infraestrutura e plano estratégico próprios, com conceitos e metas definidas. A educação foi eleita como prioridade da ação social do Grupo IBOPE por ser considerada o fator decisivo para a redução das disparidades sociais.

ONG Ação Educativa É uma organização fundada em 1994, com a missão de promover os direitos educativos e da juventude, tendo em vista; a justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento sustentável no Brasil. A Ação Educativa acredita que a participação da sociedade em processos locais, nacionais e globais é o caminho para a construção de um país mais justo. Alia a formação e a assessoria a grupos nos bairros, escolas e comunidades com a intervenção nas políticas públicas.

- Analfabetismo funcional

Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), analfabeto funcional é o indivíduo com menos de quatro anos de estudos completos. Em geral, lê e escreve frases simples, mas não é capaz de interpretar textos e colocar ideias no papel. “De certa forma, eu avalio que é um problema maior do que o analfabetismo absoluto, porque este vem sendo reduzido. Mas o analfabetismo funcional só cresce”, avalia a diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro (IPM) o analfabetismo absoluto, porque este vem sendo reduzido. Mas o analfabetismo funcional só cresce”, avalia a , Ana Lúcia Lima.

O IPM, que é um braço do Ibope, criou em 2001, o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), em parceria com a ONG Ação Educativa . O índice mede os níveis de analfabetismo funcional na população entre 15 e 64 anos. Para isso, de dois em dois anos, são aplicados testes e questionários a cerca de duas mil pessoas, em todas as regiões do país.

Os testes do Inaf simulam atividades do dia a dia como interpretação de uma notícia de jornal, leitura de um anúncio de emprego ou cálculos de percentuais simples.

O INAF divide a população em quatro níveis, de acordo com suas habilidades em letramento e matemática: analfabetismo, alfabetismo rudimentar, alfabetismo básico e alfabetismo pleno. Segundo o INAF de 2007, 7% dos brasileiros são analfabetos e 21% têm habilidades rudimentares, ou seja, são capazes de localizar uma informação explícita em textos curtos, mas não conseguem compreender textos, tirar conclusões ou ler números na casa dos milhões.

Apesar de dominar minimamente a escrita, a leitura e a matemática, o analfabeto funcional tem limitações que dificultam atividades simples do cotidiano, além de prejudicar a sua inserção no mercado de trabalho e em outras esferas.

Foi a necessidade de “aprender a ler e escrever direito”, que levou a empregada doméstica Marileia Ferreira, 34 anos, a retomar os estudos, depois de passar muitos anos afastada da sala de aula. Hoje, matriculada em uma turma de educação de jovens e adultos no Distrito Federal, havia frequentado a escola somente quando era criança, no interior do Maranhão. “Eu chegava a chorar de decepção quando estava na parada e não conseguia ler a placa do ônibus. Tinha muita vergonha, mas hoje melhorei e já leio bastante e fico muito feliz por isso”, conta a moradora da cidade de Santa Maria, no Entorno de Brasília. Segundo o coordenador geral da Ação Educativa, Sérgio Haddad, o analfabetismo funcional é um fenômeno novo, que se deve, principalmente, à baixa qualidade do ensino público. “Esse é um fenômeno recente porque antes não existia o direito à escola, ou seja, as pessoas não passavam pela escola, mas agora elas passam, porém a qualidade é tão ruim que, na verdade, elas passam e não adquirem os conhecimentos necessários”, critica.

Na avaliação do Coordenador, é preciso encerrar o problema com a garantia de educação de qualidade para que as crianças e para que os jovens saiam da escola com domínio pleno da leitura e da escrita. “Precisamos melhorar bastante a qualidade da escola para que não se produzam mais analfabetos funcionais como a gente vem fazendo”, acredita.

Para concluir, a diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro avalia que, alfabetizar as crianças atualmente é mais difícil do que há 20 anos atrás. “O acesso ao ensino está garantindo, mas tem a questão da qualidade. Essas pessoas que estão entrando agora na escola são frutos de famílias que não tiveram essa oportunidade, por isso o desafio da escola é ainda maior e o déficit já vem da origem”, observa. Ana Lúcia defende que a redução dos índices de analfabetismo funcional é essencial para “cuidar das próximas gerações”.

PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE É FUNDAMENTAL

Ainda sobre a mesma ideia, a diretora do Ecofuturo explica que o fato da comunidade participar ativamente faz com que as bibliotecas sejam mais visitadas. “Para nós é importantíssimo que a comunidade dialogue com o poder público, que se constitua um grupo misto de trabalho com pessoas de várias áreas da comunidade como: conselho tutelar, comércio local, agentes de saúde, educação e cultura”. Precisamos ter um grupo interdisciplinar que discuta e planeje a biblioteca em todos os seus aspectos, sejam administrativos, organizativos, até a parte de captação de novos participantes, além de programar atividades de leitura. Nós incentivamos muito para que eles trabalhem com as mídias locais (rádio comunitárias, jornais).

Uma das últimas bibliotecas implantadas no Jardim Panorama, em São Paulo, desprovido de equipamentos culturais e de lazer, exigiu um trabalho muito delicado para construção da confiança de seus moradores. Cerca de 400 famílias residem ali, em uma comunidade que tem pouco espaço territorial e uma fraca infra-estrutura.

Marcos Rosa da Silva, presidente da União de Moradores da Favela Jardim Panorama e representante do poder público local, explica que a biblioteca é uma conquista valiosa para a comunidade. “Em uma localidade carente como a nossa, muitas vezes as pessoas colocam a leitura em segundo plano. Uma iniciativa como essa é extremamente importante para que os moradores do Jardim Panorama possam colocar os livros em sua vida. Literatura é fundamental para o desenvolvimento social do ser humano”, afirma.

Ele ainda ressalta que a conversa com os articuladores antes da implantação foi fundamental para que a comunidade abraçasse a ideia. “A vinda deles até aqui nos ajudou a enxergar a importância da leitura e de se ter uma biblioteca com a nossa cara aqui. Estamos satisfeitos e esperamos que este espaço traga reais mudanças para o Jardim Panorama”, explica.

"Precisamos melhorar bastante a qualidade da escola para que não se produzam mais analfabetos funcionais como a gente vem fazendo"

FUNCIONAMENTO DAS BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS

Quase todas as bibliotecas implementadas têm a contrapartida da Prefeitura local, além de parceiros comerciais na doação de livros. A prefeitura que cede o espaço faz as obras de restauro e vai garantir a manutenção dessa biblioteca em todos os eixos, desde a remuneração de quem trabalha até a manutenção do acervo. “A ideia não é prescindir desse apoio e sim trazer a comunidade para dialogar e criar um novo padrão de atendimento nessa área”, explica Christine Fontelles.

“Encontramos secretários de Cultura ou de Educação que não estão nem aí e diretores de escolas com muita vontade de ter a biblioteca. Conciliar as duas pontas é difícil, mas não é impossível, porém leva mais tempo porque são necessárias diversas estratégias”, diz a diretora.

Christine acrescenta ainda que, a cada dia surgem novos ingredientes para serem adicionados ao Programa. “Criamos um movimento de sensibilização da sociedade sobre a importância de se oferecer literatura para bebês. E conseguimos em janeiro de 2009, a promulgação do dia da leitura, em 12 de outubro. O objetivo é que possamos reunir e catalisar as ações, porque existem inúmeras desenvolvidas pelo país, mas funcionam sem coordenação. Quanto mais informação se tem, melhor se pode desenvolver o trabalho de formação de leitura”, conclui.

Na mesma linha de atuação das bibliotecas implantadas pelo Ecofuturo, também merece ser ressaltado o programa São Paulo: um estado de leitores, lançado em 2003, pela Secretaria de Estado da Cultura, em parceria com as prefeituras locais e iniciativa privada.

Desde o lançamento do programa, várias empresas consideraram o projeto extremamente importante e participaram com a doação de uma ou mais bibliotecas para os municípios. No esquema tripartite montado, os padrinhos contatados pela Secretaria fornecem um computador e um acervo básico de 600 ou 1000 títulos definidos pelo Governo, dependendo do número de habitantes dos municípios. As atividades de estímulo à leitura ficam sob a responsabilidade da Secretaria e às Prefeituras coube oferecer a área para a implantação da biblioteca e o profissional para operá-la.

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